Solo é uma série de desenhos realizados com carvão sobre papel algodão, iniciada durante o período de residência artística do festival Arte Serrinha, em junho de 2017, e, posteriormente, ampliada no contexto do ateliê coletivo do Programa de Formação Continuada, Pós-graduação em Artes Visuais, na FAAP. A série conta com 60 imagens, sempre apresentadas como um políptico.
Os desenhos advêm da investigação do retrato na ausência de qualquer modelo ou referência prévios. Os desenhos configuram-se a partir do acaso e da ação involuntária da memória visual, sem nenhum tipo de esboço ou projeto preliminares.
Manchas aleatórias são criadas por gestos pouco controlados, utilizando pedaços brutos de madeira parcialmente queimada. O resultado dos primeiros gestos é reafirmado ou reconfigurado por novas manchas construídas com carvão e trapos friccionados sobre a superfície do papel ou produzidas pela ação direta da mão. Então, a imagem cessa o gesto. Nunca o contrário. Mesmo estando explícito que tenho diante de mim uma figura “incompleta”. Há algo no processo de desenho destas imagens que opera como o oposto de uma máscara: retira-se para revelar. E, de alguma maneira, o próprio desenho determina quanto se tira e quanto se põe.
Algumas das imagens são concluídas rapidamente: revelam-se em poucos gestos e resultam bastante incorpóreas, evanescentes. Outras, exigem um acúmulo de registros, como uma lenta escavação onde o carvão aprofunda a superfície branca do papel.
Em todos os casos, as manchas e os traços não terminam de consolidar uma identidade—não definem rostos sólidos, de ossos e músculos bem contidos por pele firme e delineados pela projeção de luzes e sombras. Em Solo, as imagens são abertas.
A indefinição destas imagens—sua abertura—convida a uma espécie de jogo mental involuntário que consiste, justamente, em “fechar”, definir uma face, com a atribuição de uma identidade mínima às manchas.
— Gabriel Duran Fraga, São Paulo, março de 2019.
Imagem de "Solo", 2017, políptico exposto na 49ª Anual de Arte FAAP.